terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

A Janela Secreta: John Turturro e Johnny Depp no auge.

(Spoiler, muito spoiler).


A grande fatalidade para a carreira de Johnny Depp nos últimos anos, é não ter conseguido se desvincular completamente de algumas de suas personagens mais extravagantes e com características peculiares. Neste caso, isso não ocorre. "A Janela Secreta" é um filme de 2004, gravado durante a pós produção de "Piratas do Caribe: A maldição do Pérola Negra", este rendeu ao ator sua primeira indicação ao Oscar e o tornou definitivamente um ator com talento reconhecido para papéis como o de Jack Sparrow. David Koepp, diretor de "A Janela Secreta", soube como dirigir seu elenco e tirar de cada um o suficiente pro papel. Mas é claro que devemos dedicar uma atenção especial a Depp e John Turturro. Os atores que interpretaram basicamente o mesmo papel, fizeram isso de forma destoantes um do outro.

 O primeiro, apesar de manter alguns hábitos básicos e conhecidos (como a cômica expressão em cenas ascosas e de suspense) fez um ótimo trabalho como o escritor preguiçoso, Mort Rainey, que se vê em um bloqueio criativo, depois que flagra sua esposa (Maria Bello) na cama com outro homem, Ted (Timoty Hutton). Para ajudar a piorar sua situação, John Shooter (John Turturro), um sujeito valentão, aparece a sua porta ameaçando-o sob a alegação que Rainey o plagiou. O segundo, já citado, incorporou muito bem esse rústico homem sulista, que parece ter uma única razão pra viver: provar que foi plagiado, e fazer com que esse usurpador corrija o final da estória que ele "arruinou".

Aqui várias são as teorias sobre o que ocorre com a mente desse escritor que já não consegue se concentrar e vive como uma pilha de nervos. A dupla personalidade é a mais óbvia interpretação, entretanto como estamos falando de dois escritores, ouso dizer que houve um gole da heteronimia. Você deve se lembrar disso das aulas de literatura do colégio quando a professora passou Fernando Pessoa, e seus heterônimos. O poeta português criou três diferentes vidas, com letras próprias pra cada um, uma filosofia de vida pra cada um, um estilo literário pra cada um; e nenhum deles tinha características de Pessoa. No caso da personagem de Johnny Depp, a criação foi involuntária, John Shooter surge como válvula de escape pra situação emocional dele. É uma querela na qual seu subconsciente tornou-se cativo para fazer o que tinha de ser feito. Mas ainda sim, um escritor com características particulares, bem diferentes de seu "criador". Não é, entretanto, um processo completo de heterônimos, então não levem ao pé da letra. Mas é uma gostosa suposição, ainda mais quando se tem essas semelhanças. Afinal, Pessoa trocava cartas com seu primeiro heterônimo quando criança; Mort Rainey é ameaçado de morte pelo seu, quase lá.

A segunda tomada do filme, depois de uma panorâmica pelo lago, é entrar pela janela do sótão, que fica em frente ao jardim, e no mesmo patamar de sua escrivaninha; descer as escadas e focalizar o protagonista dormindo de costas no sofá. Entretanto, essa imagem é vista pelo reflexo do espelho, e discretamente a câmera "entra" nesse espelho. Quando no fim do filme, a ex-mulher entra na casa, o foco vem de dentro do espelho, e se estabelece nela. Portanto, ao entrar na casa, tudo está quebrado, bagunçado e por toda a parte a palavra "Shooter" ("atirador") se repete. Mas só se entende o jogo, quando ela está no sótão, e Mort abre a porta, dividindo a palavra: "Shoot" (atire) na parede, ele no meio, e na porta "Her" (nela).

O fim do conto original e dito plagiado, havia morte e sepultamento no jardim. Não há toa, a obra que originou o filme chama-se "Secret Window, Secret Garden", de Stephen King. A postura do ator assumindo a personalidade ensandecida John Shooter, com o chapéu medonho e os modos de falar, deu veracidade a história e compreensão. A sequencia de pequenos gritos que ele dá enquanto conversa consigo, e entende sua situação é impagável. Na sequencia final, a casa está mais arrumada e milhos sendo cozidos. Quando a câmera desce até o jardim, ela passa pela plantação de milho, desce para além do solo e mostra os corpos. A cena é fechada com uma mordida na espiga.

Por Caio Terciotti - sempre com vontade mijar - 
"Garanto que com o tempo qualquer vestígio dela desaparecerá e sua morte será um mistério até mesmo para mim."

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